As provocações de uma professora indignada
Era
primeiro dia de aula, mas não dava mais para perder tempo.
São anos e
mais anos convivendo com alunos que se formam e não conseguem entrar no mercado
de trabalho na área de formação.
Entre os
que me procuram em busca de ajuda para ingressar na área, vejo fragilidade e um despreparo
enorme. São jovens que passaram anos esquentando carteiras universitárias,
desperdiçando tempo e depositando seu sonho de uma carreira promissora em um
diploma, no entanto se escondem em carapaças protetoras de desafios e adotam
uma postura completamente descolada de compromisso na construção de seu
percurso.
São jovens
que resistem à ideia de autonomia, pelo simples fato dela vir atrelada à
responsabilidade, por isso escolhem ser controlados por um sistema educacional
tradicional altamente ineficiente, pois ao término do processo, podem colocar a
culpa de seu fracasso no outro, e neste caso o outro é a instituição de ensino
ou os professores. Mas quem vai amargar o fracasso?
Resolvi
montar um roteiro (não muito meigo) de provocações, para que meus alunos
pudessem se perceber protagonistas no processo de formação. Ele foi estruturado
em 4 etapas e para o curso de comunicação, mas pode ser adaptado para qualquer
área de formação.
Obs.: Irei pintar de azul o roteiro original, o restante é explicação para aplicação.
1ª ETAPA
Na lousa eu fiz uma divisão.
De um lado escrevi: Vantagens de ficar na Zona de Conforto e do outro
lado Desvantagem de sair da Zona de Conforto. Olhei para a turma e fiz o
convite: Vamos falar bem da Zona de Conforto? Venham responder na lousa.
Neste momento, já dava para perceber o quanto a Zona de Conforto prendia
os alunos em suas carteiras. Poucos se levantavam instantaneamente para
contribuir com aquela tarefa colaborativa.
O resultado foi lindo. Eles percebiam o quão gostoso e convidativo é ficar na
Zona de Conforto e o quão doloroso é sair dela.
2ª ETAPA
- Cada aluno deveria pegar uma folha de caderno, pois a construção seria individual.
- Era aconselhável que os alunos não estivessem sentados muito perto dos colegas, para evitar constrangimento na hora de registrar uma resposta verdadeira.
- A folha não seria lida por mais ninguém, nem entregue para a professora.
- O ideal era que não se pulasse linhas, para que todos os registros fossem feitos em apenas um lado da folha.
- Seria um momento onde eu estaria falando e eles registrando, sem interação ou conversas paralelas.
Na folha do caderno, nas primeiras 4 linhas, cite até 4 profissionais
de comunicação que você admira muito e são referenciais para você. Como alguns
alunos apresentaram dificuldade de lembrar nomes de profissionais, abri a possibilidade de registro de
nomes de empresas e permiti o uso da internet para pesquisa. Era importante
que todos os alunos conseguissem registrar ao menos um nome, para dar
continuidade ao roteiro.
Ao lado de cada nome registrado, escreva o que você admira em cada uma
dessas pessoas (ou empresas).
Na linha de baixo, escreva: O que são eles para você hoje?
Na próxima linha: O que é você para eles hoje? (neste momento rolavam risadinhas e eu pedia para eles serem sinceros)
3ª ETAPA
Eu dava uma pequena pausa, me direcionava até a porta e olhava pela
janelinha, apontava para o corredor e dizia:
Uma dessas pessoas que você registrou, está vindo para cá agora, com a
intenção de contratar um de vocês.
Para fazer a escolha, ele fará quatro perguntas iniciais. Quais seriam
essas 4 perguntas? Registre na folha.
Além dessas quatro perguntas, ele quer ver qual o projeto que você fez
com excelência no semestre passado. Você teria um projeto para apresentar?
...mas não vale apresentar aquele projeto que foi feito em grupo e você foi um
dos que não contribuiu. Apresente aquela parte do projeto que realmente foi
feita por você. Se você não tem um projeto para apresentar, registre isso.
Ele também perguntaria o que você faz com excelência, uma habilidade
que serviria de diferencial, que faria você se destacar. Caso você não se
lembre de nenhuma habilidade que te destacaria, registre isso.
Neste momento, a conversa fica um pouco mais descontraída e ele pede
para você contar qual livro você leu no semestre passado, que não seja relacionado ao curso de comunicação. Caso não tenha lido nenhum livro extra
universidade, registre isso.
Agora ele faria uma pergunta crucial, com a intenção de perceber o
quanto você é empático e colaborativo: Você
faz atualmente algum trabalho voluntário?
Antes de ele ir embora, ele pediria para você mostrar seu portfólio.
Você tem 3 opções de registro: Eu tenho um portfólio atualizado; Eu tenho um
portfólio desatualizado; Eu não tenho um portfólio para apresentar.
4ª ETAPA
Agora faça um pequeno círculo no cantinho da folha e dentro escreva
“meus professores”.
Neste momento eu os orientava a tirar de cima da folha, a caneta, o
celular ou estojo. Dizia que faria 4 perguntas onde eles apenas iriam refletir
e deveriam olhar para a folha e seus registros.
1 - Para quê você está desenvolvendo projetos? Eu reforçava que eles
deveriam olhar para a folha e repetia a pergunta.
2 - Para quem você está desenvolvendo projetos? Eu reforçava que eles deveriam olhar para a
folha e repetia a pergunta. Dava uma pausa na fala, pedia para eles olharem
para mim e perguntava: Vocês desenvolvem os projetos para seus professores? É
para mim que vocês precisam fazer bons projetos? Eles respondiam que não apenas movimentando a cabeça, e eu
pedia que eles voltassem a olhar para os registros.
3 - Você sabe qual o propósito de suas escolhas? Eu reforçava que eles
deveriam olhar para os registros e complementava: Você entende que sua atitude
hoje está construindo seu percurso profissional do futuro? Suas escolhas hoje,
te levarão de encontro com seu sonho?
4 - Agora faça 3 setas partindo do circulo (meus professores) em direção
aos registros feitos e depois perguntava: Qual o papel de seus professores neste
processo? Eles falavam várias alternativas como orientar, incentivar ou desafiar e eu terminava perguntando: Para
alcançar seu sonho, depende de quem? E eles respondiam que dependia deles
mesmos.
Em meio a alguns olhares lacrimejantes e espantados, eu
dispensava a turma, mas alguns não conseguiam ir embora.
Alunos sem fala chegavam perto de mim e ficavam olhando.
Uma aluna me pediu um abraço.
Que ganho precioso... Eles se perceberam protagonistas no processo.
EU AMO OS MEUS ALUNOS!
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Ilustração de João Vaz de Carvalho - LOBO
Ilustração de João Vaz de Carvalho - LOBO
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