PowerPoint com efeito de ‘Ritalina’
A Ritalina é um medicamento que atua no sistema
nervoso central, ele 'promete' manter o foco e estimular a concentração. A enorme
lista de efeitos colaterais é assustadora.
Todo professor dedicado, sempre busca uma ferramenta
nova para transmitir o conteúdo para seus alunos.
Nos primórdios, o professor só tinha a lousa e o
giz. Com a evolução tecnológica, os professores passaram a expor conteúdos com
transparências ou projetores de pequeninos slides. Posteriormente surgiram os computadores
e o 'santo' PowerPoint, uma ferramenta que possibilita a montagem de conteúdo com
animação, vídeos, fotos, ilustrações, cores e fontes atrativas.
Depois de poucos anos lecionando e muita pesquisa, descobri que o
problema da aprendizagem não era a escolha da ferramenta usada para expor o conteúdo, mas sim o fato de expor
o conteúdo e passei a ser uma professora que não mais expunha conteúdo.
Abandonei a falsa ilusão da Educação Placebo e pude notar
rapidamente que os alunos aprendiam muito mais sendo protagonistas na
aprendizagem, do que quando eu era a protagonista na 'ensinagem'.
Quando o professor expõe o conteúdo,
ele neutraliza o protagonismo do aluno, que passa a ter uma postura passiva. Expor
conteúdo tem como foco o que é ensinado, ignorando o processo de ação da aprendizagem.
Esse sistema vai de encontro com o que disse Viviane Mosé: “Não interessa o que o professor ensina, interessa o que o aluno aprende”.
Sem usar o PowerPoint, passei muitos anos provocando
meus alunos a aprender através do desenvolvimento de projetos complexos e interdisciplinares.
Meu trabalho era sobrecarregado por conta da personalização das orientações aos
grupos, no entanto, o maior ganho era dos alunos, com a amplitude dos aprendizados efetivos e a autonomia no processo.
Com o passar dos anos e encantada com o
desenvolvimento da maturidade intelectual de meus alunos, acabei esquecendo os
efeitos desejados e colaterais indesejados de um PowerPoint.
EFEITOS DESEJADOS - O professor passa horas estudando e montando os
slides. O material é de fácil adequação e o professor declama o conteúdo. O aluno escuta, fotografa e não tem fadiga.
EFEITOS COLATERAIS INDESEJADOS - O professor normalmente sabe o que o aluno não aprenderá
com aquela exposição e se sente mal. O aluno é um receptor passivo, não aprende e não constrói
conhecimento.
É muito triste ver que vivemos na era da tecnologia,
onde as informações estão amplamente acessíveis e mesmo assim, os alunos pedem
aulas em que o professor expõe conteúdo... Lá fui eu montar alguns
slides no PowerPoint.
Neste momento, se faz necessário explicar o processo
educacional tradicional aos alunos: citar um pouquinho de Paulo Freire e o Mito da Caverna de Platão.
Certa de que os alunos ficariam indignados com o processo
estúpido e comprovadamente ineficiente de expor conteúdo, iniciei a projeção... mas quem ficou
estarrecida fui eu, pois meus alunos ficaram calmos contemplando os slides.
Contemplar slides de um PowerPoint controla a ansiedade dos alunos, não dá fadiga,
não coloca a mente para pensar, pode ser acompanhado em estado quase letárgico, no entanto o pior efeito colateral é que ele cria a ilusão da aquisição de conhecimento, mas não gera aprendizado.
Para refletir, deixo um trecho do TCC - APRENDIZAGEM POR PROJETOS: uma
alternativa à desfragmentação da educação universitária.¹
Paulo Freire afirmou
que essa educação bancária era um instrumento da opressão.
A narração, de que o
educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo
narrado. Mais ainda, a narração os transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a
serem ‘enchidos’ pelo educador. Quanto mais vá ‘enchendo’ os recipientes com
seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente
‘encher’, tanto melhores educandos serão.
Desta maneira, a educação se torna um ato de
depositar em que os educandos são os depositários e o educador o depositante.
Em lugar de
comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras
incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção
‘bancária’ da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos
educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para
serem colecionadores ou fixadores das coisas que arquivam. (FREIRE, 1983, p. 66)
Tal como acontece com
qualquer sistema baseado na autoridade imposta, este sistema enfraquece a
autonomia e a responsabilidade dos alunos em seus processos de aprendizagem, o
que leva a uma dependência do professor e a restrição com base em seu saber já
adquirido. Reafirmando o que disse Paulo Freire (1983, p. 66) “[...] nesta destorcida visão da educação,
não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na
invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os
homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.”
1 - CARVALHO, Ana Cristina N. de. APRENDIZAGEM
POR PROJETOS: uma alternativa à desfragmentação da educação universitária.
Trabalho de Conclusão de Curso – MBA em Gestão de Projetos - Centro
Universitário Estácio de São Paulo, 2018
Ilustração de João Vaz de Carvalho
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