Quem roubou o brilho no olhar de meus alunos?
Semana passada, eu fiz uma visita para meu amigo Vitor, que trabalha em
uma agência de publicidade bem bacana.
Essa agência tem um programa de trainee para jovens universitários.
Claro que papeamos sobre educação!
Ele me contou como funciona o processo seletivo do programa de trainee,
quais os pontos que eles observam e o que faz um jovem conseguir uma vaga e
outro não.
Uma coisa que ficou evidente, é que o ponto importantíssimo para um
jovem se destacar entre os outros é que ele não seja ‘lugar comum’. Não adianta
ser bom no que todo mundo é bom. Não adianta ler os livros que todos
também leram. Não adianta ser viciado nas séries do momento. O jovem tem que
ter algo que o destaque entre os outros, sua garra, sua persistência, uma
atitude ou algo que ele saiba fazer com excelência.
Percebi que havia um incomodo com o baixo preparo e uma pequena bagagem
de conhecimento dos jovens que chegavam até a entrevista.
Parei... Refleti... Tomei fôlego e fui em frente. “Vitor, você entrevista
os melhores. Aqueles que já passaram por uma triagem. Tente imaginar os que nem
chegaram até a entrevista.”
Comecei a pensar o porquê da maioria dos jovens não ter interesse nem por assuntos que supostamente seriam interessantes e
tracei um percurso.
As crianças, quando chegam à escola, com 2, 3 ou 4 anos, são pacotinhos de
curiosidade. Aprender é uma aventura tresloucada. Perguntam sobre tudo, querem
saber de tudo, são uma esponja que absorve todas as informações.
Querem entender como a lagarta vira borboleta, como as plantas crescem, se os monstros existem, como vive uma minhoca, como faz um motorzinho, quais espécies de dinossauro
existiram, o que é um meteoro, etc.
No entanto, o brilho no olhar desaparece em uma sequencia de frustrações.
Quando a criança quer saber se um Barosaurus foi herbívoro,
ou o que faz o camaleão mudar de cor, a professora diz que hoje não é dia de
falar de dinossauros ou camaleões, pois ele irá aprender a desenhar um
triangulo retângulo.
Quando a criança fica curiosa para saber como se faz um pão de queijo e
o que é ¾ de xícara de polvilho, a professora diz que ele só aprenderá fração quando
chegar no 4º ano. Mas faltam 3 anos para chegar o 4º anos.
E é assim que a criança aprende a se desinteressar por tudo aquilo que
era bem interessante, pois hoje é dia de aprender alguma coisa que não faz
sentido neste momento, que não tem conexão com nada da vida da criança. É assim
que as escolas vão padronizando e matando a curiosidade das crianças e as transformando em
robozinhos indiferentes e obedientes. Elas entendem que aprender é algo
enfadonho, imposto, sem graça e mecanizado.
Este triste processo está muito bem descrito no diálogo da professora
com o aluno recém-chegado à escola, em um pequeno e denso livro de Rubem Alves, Pinóquio às Avessas:
“A escola não é para você aprender
aquilo que você quer aprender – disse a professora. – A escola é para você
aprender aquilo que você deve aprender. O que você deve aprender é aquilo que
disseram os homens inteligentes do governo. Tudo na ordem certa. Uma coisa de
cada vez. Todas as crianças ao mesmo tempo. Na mesma velocidade...”
Quando esses pequenos crescem e chegam a uma universidade, nem o tema
mais interessante dentro da profissão que eles escolheram, desperta paixão em
aprender. Eles contemplam tudo com desdém e um ranço no olhar.
É chocante ver professores universitários implorando para que seus alunos
se interessem por algum tema que será importantíssimo para a ascensão profissional
deles. Mesmo sabendo da ineficiência desse apelo, eu me pego fazendo isso. São
palavras ao vento, sem receptor, sem eco e sem efeito.
Muitos alunos universitários não têm paixão por nenhum tema específico
do curso que escolheram. Eles querem ser profissionais daquela área, mas não
percebem o quão distantes estão da realidade profissional.
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Link relacionado: Como não ser um aluno medíocre? e A sapiência da espuminha de marola
ALVES, Ruben. Pinóquio às avessas: uma estória sobre crianças e escolas para pais e professores. Campinas: Verus Editora, 2005
Fonte da imagem: https://design.tutsplus.com/tutorials/create-a-fantasy-storybook-illustration--psd-25700
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