A escola que ‘matou' Miró, criou um nem nem
Aos 3 anos, ele descobriu que não sabia desenhar.
Aos 6 anos, ele descobriu que não sabia cantar e dançar.
Aos 9 anos ele descobriu que não sabia ler e escrever.
Aos 12 anos, ele descobriu que era completamente dependente do saber
alheio e que aprender esses saberes era muito chato.
Aos 17 anos ele descobriu que não tem curiosidade para nada e que sua
incapacidade para aprender cristalizou.
Aos 20 anos ele descobriu que com aula não se aprende, mas mesmo assim ele queria mais aula.
Aos 23 anos ele descobriu que seu diploma e suas boas notas não lhe abriram portas de emprego.
Pedro amava desenhar, até o dia que sua prestativa professora da
Educação Infantil, sentou ao seu lado para ensiná-lo como se desenhava. Com boas
intenções, ela não percebeu que, ao ensinar-lhe como se desenhava "certo",
implicitamente estava desqualificando seus desenhos "errados", demonstrando que sua
produção é insatisfatória e aos 3 anos ele começou a dizer que não sabia
desenhar. Passou a esperar que alguém lhe desse algum modelo para ser
copiado. Daí para frente, ele recusava
fazer qualquer trabalho artístico, para evitar a frustração de perceber que era
incapaz de se expressar artisticamente.
Ao ingressar no Fundamental I, ele começou a ter aula de expressão corporal e música, mas por
não reproduzir exatamente o canto e a dança que a professora pedia, descobriu
que não sabia dançar e cantar e essas atividades que antes lhe causavam alegria,
passaram a causar angústia e frustração.
Logo Pedro começou a ter aulas com uma professora de português muito rigorosa, nos moldes
tradicionais, e aos 9 anos, cada vez que lia um texto em voz alta e gaguejava,
sua professora o corrigia, completava as palavras ou pedia que ele ficasse mais
atento. Constrangido por errar tanto, ele não queria mais ler em voz
alta. Com a escrita foi um pouco pior, a professora grifava de vermelho bem grande as
palavras que ele escrevia errado e fazia que ele reescrevesse aquela palavra
40, 60 ou até 100 vezes, para nunca mais esquecer... e é claro que ele
esquecia. Aos 9 anos, ele se sentia um desqualificado, pois parecia que todos sabiam
escrever e ler bem, menos ele.
Aos 12 anos, ele já estava bem posicionado na ‘linha de montagem’ da
escola, aceitava mansamente o sistema fragmentado e padronizador. Sabia que não havia opção, a única saída
era seguir o fluxo e engolir os conteúdos impostos por seus professores. Neste
momento, ele desiste de ser ele mesmo, pois o sistema formata a todos. Ir para
escola e cumprir as tarefas era muito chato e decorar conteúdos para
as provas era enfadonho e nada disso fazia sentido para ele.
Ele desiste de lutar por seus sonhos, gostos e curiosidades. Descobre que aprender coisas novas passa a ser coisa de criancinha - coisa do passado,
não existe mais, morreu - e aos 17 anos ele não quer saber de mais nada.
Aos 20 anos, ele tem certeza que quase nada foi aprendido com as
aulas dos anos que passou na escola, ele percebe que só aprendeu alguma coisa, nas raras oportunidades, quando lhe deram liberdade para desenvolver projetos de seu interesse. Mesmo constatada a ineficiência das aulas, na faculdade ele pede por
mais aulas no formato mais tradicional possível, onde o professor ensina.
Ele passa alguns anos na faculdade, focado nas notas. Não importa se elas são fruto de esforço próprio, ou trabalhos em grupo feito pelos outros, por plágios, compra de
projetos prontos ou por colar nas provas. Ao término de tantos anos frequentando
escolas e faculdade, ele descobre que não está apto ao mercado de trabalho.
Quando pequeno, Pedro gostava muito de artes. Poderia ser um Miró, um Picasso ou um Monet, um exímio
violinista, ou um bailarino clássico de sucesso, mas a escola o colocou nos trilhos da mediocridade - uma linha de montagem, onde curiosidades e talentos são desprezados, onde o desejo de
aprender é ignorado e no lugar surge o conteúdo da próxima página da apostila
que deve ser ‘engolido’.
Links relacionados: Quem roubou o brilho no olhar de meus alunos? e Orgulho de ser prisioneiro
Pintura de Joan Miró - Man with a pipe - 1925 - https://www.wikiart.org/pt/joan-miro/all-works#!#filterName:all-paintings-chronologically,resultType:masonry
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Seu texto, intenso e real, me deu vontade de chorar. Talvez porque me vi nele, talvez porque veja meus alunos, minhas filhas . Viver e aprender são tão especiais, mágicos, divinos, e nascemos para isso, não é? Afinal nascemos para viver e aprender, e a maioria acha isso um saco. Deu vontade de chorar, doeu o coracao, chorei!
ResponderExcluirOoohhh minha amiga..... As vezes também choro. Tenho muita dó das crianças. Vejo o brilho de seus olhos sendo roubado por um sistema fracassado e castrador.
ExcluirOlá Tina, penso que o argumento proposto valeria para algo bem menos "extraordinário". Afinal, a menos que eu esteja enganado (se estiver não ficaria ofendido por ser confrontado por isso). Nem todos seremos geniais ou renomados. Talvez a devida proporção do sucesso esteja numa mediocridade que desprezamos. Aquela do cidadão comum. A do sujeito que sem pretensões à genialidade se tornam gente tão viva e aprendedora que não quer outra coisa da vida, sendo em diferentes níveis de atuação e exposição, pessoas que por sua responsabilidade tramada com o aprendizado ativo comporia elevaria ao longo de sua trajetoria da vida o conceito do que hoje mesmo sem termos, desprezamos: o cidadão médio. Há como isso faz realmente falta! E que diferença isso já faria, não?
ResponderExcluirCaro Dantas,
ExcluirCertamente isso valeria para abordagens menos extraordinárias.
Aqui o foco são talentos e gostações, desprezados pela padronização forçada das escolas. Por consequência, este sistema educacional gera um cidadão médio frustrado, não?